quarta-feira, 15 de abril de 2009

ABENÇOADA MANSIDÃO DE BITUPITÁ

Cláudio Ribeiro e Demitri Túlio
Reporter do “Jornal O Povo”
Enviados a Barroquinha
15 Abril de 2009

870172_not_fot Bitupitá é um pedaço de Barroquinha que ainda mantém modos de paraíso. Na praia, sem pressa, o melhor relógio é a maré. Pescadores sustentam-se a bater mourões em alto-mar, 12 metros de fundura, para fixar currais de madeira e colher cardumes. Camurupins, xaréus, ciobas, guarajubas, ariacós e tantas ramas de peixe quantas possíveis. A duna, vez em quando, deita na estrada. Isola gente, desvia caminho, mas nem por isso a vida se perturba. Dá-se jeito. Bitupitá quer dizer "pancada de vento em morro de areia". Ainda aparece peixe-boi, mas ninguém mexe. Deixam quieto. Mansidão. É como se o tempo dali fosse à parte. O turismo, pelo menos por enquanto, também não atrapalha. A visitação é pequena, pela distância, a 440 km da Capital, e pela estrutura, apenas três pousadas. O lugar tem até uma santa, conterrânea de Jesus Cristo, que morou muito tempo, fez nome por lá. Agora, atribuem a ela até graças alcançadas.
Adelaide Elias Tahim nasceu em Belém, na Palestina. É a santinha que preserva e revigora Bitupitá, afirmam os moradores. Era Milade, mas chamaram sempre de Adelaide. Em 2009, fez 80 anos de sua morte. Veio com o marido, Demétrio, não se sabe ao certo como e por quê. Lugar ermo e tão distante. Se hoje é difícil chegar, imagine no começo do século passado. Antes teriam morado perto de Fortaleza. Eram comerciantes e caridosos. Além das vendas e dos negócios, praticavam bondade no povoado, ajuda, orientação, coisas do bem. Tiveram dez filhos.
Pois um dia, dizem que depois de uma raiva num resguardo, Adelaide adoeceu, seu estado se agravou, ela morreu. Tinha 47 anos. Era 26 de março de 1929. Bitupitá ainda era Almas, nome em alusão a um peixe farto, transparente, o alma-de-gato, que enchia as redes e garajaus dos pescadores na foz do rio Timonha. Da margem, extremo oeste cearense, vê-se o Piauí ao lado. O túmulo dela hoje está bem ao lado do rio. Mato e sossego ao redor. Mas chegou lá só depois de uma aparição dela, dias após ter sido enterrada.
A história arrepia uns, outros são céticos. Mas aconteceu realmente. O corpo foi desenterrado após um suposto pedido dela, feito a um homem que morava na cidade de Viçosa, distrito Olho d´Água, no alto da serra da Ibiapaba, a léguas de Almas. A família ainda chorava a perda quando foi procurada por um agricultor, Francisco Oliveira. Surpresa a todos, ele afirmou ter visto o espírito de Adelaide em seu quarto. Teria puxado o punho de sua rede. Pedia-lhe que seu corpo saísse do cemitério de Venâncio, localidade vizinha onde estava enterrado, para que fôsse levado ao Pontal das Almas. Teria dado detalhes. O homem a reconheceu numa foto. Era 3 de maio de 1929, a aparição. Em 13 de maio, já estava feita a trasladação. Ninguém duvidou. Houve outro detalhe na exumação, mais um susto: o corpo desenterrado estava em perfeito estado e exalava perfume.
Em vida ou na pós-morte, Adelaide escolheu Bitupitá. Para o altruísmo e o descanso. Ganhou capelinha na localidade, bastante visitada. O secretário de Turismo de Barroquinha, Tié Araújo, confirma Santa Adelaide como chamariz para a região. Além da festa do padroeiro São José, em março, a santinha tem festejo particular em agosto. Lota. Os pescadores pedem a ela em orações antes da ida ao mar.
O secretário admite temor com o risco do turismo predatório em Bitupitá, mas diz estar se prevenindo para que ele não se encoste no local. "O que mais queremos é educar, formar e investir numa estrutura consciente para que o nativo não sofra quando isso chegar aqui", afirma Tié Araújo. A praia já faz parte da Rota das Emoções, que sai da cearense Jericoacoara até Barreirinha, onde estão os Lençóis Maranhenses, cortando o Piauí.
Mesmo dentro de Área de Preservação Ambiental (APA), Bitupitá ainda tem dificuldades com o lixo, da população ou do tratamento do peixe (quase a única atividade local). A distância ajuda e atrapalha. Por enquanto, ainda dá prazer ver seu Tomaz Vaqueiro botando peixe salgado pra secar no estaleiro (espécie de varal). Ou percorrer a faixa de praia a pé e encontrar flamboyants florados, cercados de borboletas, no quintal de casas seculares desabitadas. Assistir à despesca dos currais de longe, na calmaria. Sem poluição por perto. Sob as bênçãos da santa local.
Todos pescam
- Dos cinco mil habitantes de Bitupitá, 992 estão inscritos na Colônia de Pescadores Z-23. "Mas são três vezes mais de não inscritos", admite o presidente Jonas Ferreira Veras. As mulheres também trabalham como marisqueiras, para ajudar na renda de casa. O distrito tem 1/3 da população de Barroquinha.
Bar entre jazigos
- No primeiro cemitério onde Adelaide Tahim foi enterrada, antes da aparição ao agricultor de Viçosa, curiosamente há um bar. Não dá para dizer que o estabelecimento está entre os jazigos, mas também não dá para dissociá-lo da paisagem. O cemitério é num banco de areia e não tem muros. O bar chama-se Marisol, pertence a Manoel Veras de Carvalho, conhecido como "seu Paulino". Ele não abre em dia de enterros.
Vai-se de fubica
- Alguns dos principais pontos turísticos de Bitupitá são: o Pontal das Almas, a Ilha Grande, o farol, os currais de peixe, a Lagoa dos Remédios, a Pedra do Sino e a Barra dos Remédios. Pela praia, é uma "fubica" velha, "artesanal" feito de sobras de outros e movido a gás de cozinha, que faz o transporte. De mantimentos e de gente. Parece de brinquedo.

3 PERGUNTAS
FRANCISCO PINHEIRO
Historiador e vice-governador do Ceará

Mestre em História, o vice-governador do Estado, Francisco Pinheiro, descreve ocorrências do século XIX que associam a morte de nossas matas às secas periódicas. Ele diz que as novas gerações já estão sendo melhor educadas contra o desmatamento e outras agressões ambientais.
O POVO - Nossa formação política e histórica cearense soube preservar reservas florestais, energéticas, potenciais hídricos, fauna? O Ceará foi consciente com seu ambiente?
Francisco Pinheiro - Houve, sim, uma destruição da nossa fauna, flora e potenciais hídricos. Documentos do século XIX demonstram toda uma exuberância da natureza no Estado que não é mais encontrada. As técnicas de agricultura, através de queimadas, e a atividade pecuária, foram as que mais contribuíram para esta destruição. No entanto, existem relatos ainda do século XIX relacionando a destruição das matas com as secas periódicas. Já nas últimas décadas do século XX se iniciou um processo, que ainda está crescendo, de defesa da natureza.
OP - Neste mesmo mote ambiental, nossa autoestima pode garantir longevidade?
Pinheiro - Este debate ganha corpo com a juventude, que está mais preocupada em garantir melhorias nas questões ambientais. A preservação do meio ambiente nunca foi inerente ao cearense. Este processo está começando através mesmo da educação em escolas e através dos veículos de comunicação.
OP - O cearense saberá reparar erros históricos?
Pinheiro - Há um processo educativo que faz com que as novas gerações tomem iniciativas contra desmatamento e outras interferências no meio ambiente. Há também um esforço dos governos municipais, estaduais e federal, através de programas de proteção de áreas florestais, que pode reparar estes erros históricos. (Fonte: Jornal O Povo)

Bitupitá: por um turismo consciente

Tié Araújo

O secretário de Turismo de Barroquinha, Tié Araújo, admite que a estrutura da praia de Bitupitá, para que possa receber turistas, ainda é precária. Mesmo assim, defende que esse crescimento aconteça de forma consciente e sustentável. Para que a degradação ambiental não seja uma chaga e a localidade se mantenha como um paraíso do extremo oeste cearense.